Campo Pequeno – 18 de Maio de 2006 Nesta noite pudemos constatar porque é que o Campo Pequeno é a 1ª praça do País. Não é por ser na capital, as razões são outras. Aqui, quando os artistas agradam o público, este retribui com palmas, quando não agradam, retribui com assobios, etc. Por aqui passaram já muitos toureiros, forcados, toiros, enfim, todos aqueles que são os protagonistas da corrida, e este público que embora tendo estado privado de assistir a corridas de toiros durante seis épocas, disse-nos a todos e, principalmente aos artistas, que quer continuar a ser exigente com quem pisa a sua arena, não lhe negando aplausos e apupos quando merecidos respectivamente. Se queremos qualidade no nosso espectáculo, não podemos ser condescendentes com a mediocridade, nem tratar tudo da mesma forma. Quem faz as coisas bem, tem o direito de ser tratado (pelas empresas e publico) de forma diferente daqueles que o fazem de forma menos apreciada. Se não fizermos isto, estamos a desmotivar aqueles que têm valor, uma vez que não os premiamos pela diferença que fazem dos outros. Vou agora emitir a minha opinião sobre os principais intervenientes da corrida que inaugurou os espectáculos tauromáquicos na reabertura da Praça do Campo Pequeno na passada Quinta-feira, 18 de Maio de 2006. Digo emitir a minha opinião porque o faço sem pretensões nenhumas de crítico da especialidade, não tendo intenção de reclamar para mim a razão. Faço-o apenas porque alguém ligado ao site do Grupo de Santarém me pediu que o fizesse. Começando pelos toiros, penso que foram excelentes colaboradores do espectáculo, não podendo nenhum toureiro nem forcado acusá-los de responsáveis de qualquer faena ou pega menos conseguida. Na minha opinião o tempo dos toiros de 580 ou 600 kgs começa a ser finalmente ultrapassado. O toiro tem que ser “atleta”, e para isso não deve estar nem gordo e pesado demais, nem fraco com falta de força. Isto dito assim parece muito simples e fácil de apresentar, mas na realidade não é bem assim. A juntar a isto temos que pensar no trapio, na córnea, etc. Esta corrida “Vinhas”, olhando todos estes aspectos que o ganadero deve cuidar, teve nota bastante positiva. Vem depois o comportamento dos toiros que embora sendo também da responsabilidade do ganadero, não tem uma relação tão directa com a sua vontade. Mas também aqui os toiros cumpriram, com excepção do último que na minha opinião foi o que menos qualidade teve. Estiveram em praça três toureiros que indiscutivelmente pertencem ao grupo dos melhores que nós temos, todos eles com características diferentes. João Moura na primeira lide ao melhor nível do estilo que ele próprio criou, cujo valor e arte não têm discussão, fez-nos lembrar os seus tempos áureos fazendo a dedicada e esclarecida assistência desta corrida levantar-se várias vezes em acalentados aplausos. No seu segundo toiro, João acaba por ser o pior inimigo de si próprio, uma vez que da forma como João Moura brega os toiros, quebrando e aplumando as suas investidas, o momento do ferro acaba por ser um pormenor na sua lide, porque no instante da reunião o toiro está com pouco movimento (parado ou iniciando a investida), isto porque João Moura o preparou de tal forma para este momento, que o toiro está completamente à sua mercê. Se eu pudesse comparar a lide de João Moura com a dum Matador de Toiros, diria que a brega antes do ferro corresponderia à série de derechasos ou naturais, e que o ferro corresponderia ao passe de peito. Seguindo o meu raciocínio: como João impõe esta baixa velocidade, dando por vezes a sensação que o toiro não empurra, se tem a pouca sorte de levar um toque na montada, o público não lhe perdoa! Rui Fernandes, o mais novo dos três, tem uma primeira faena memorável. Talvez pela minha ligação aos cavalos tenha observado este cavaleiro duma forma diferente da maioria das pessoas. É realmente bonito de se ver a forma como Rui submete os cavalos em terrenos tão apertados duma forma elegante e solta, deixando transparecer suavidade e flexibilidade. No segundo toiro pecou porque não percebeu que exagerou um pouco na quantidade de vezes que o seu cavalo fez o gesto de chamar o toiro com a mão. O público suportou as três primeiras vezes, mas depois daquela saída em falso resolveu chamar-lhe a atenção: “Já vimos que o cavalo chama muito bem o toiro, mas desculpa lá mas põe lá o ferro como deve ser”. Por fim falta-me falar de António Ribeiro Telles. O que vimos no Campo Pequeno foi um toureiro que interpretando esta arte da forma menos revolucionária, ou seja, mais clássica, ganhar a disputa aos seus colegas. António prova que para se triunfar não é preciso ser revolucionário nos toiros. Quando o toureio se pratica com a sabedoria dos terrenos que se pisam, com a entrega com que ele o faz, e com a raça nele contida, resulta num espectáculo impossível de ser descrito por palavras por mais eruditas que estas sejam. Resumindo a minha opinião sobre a actuação dos toureiros, achei que João Moura e Rui Fernandes tiveram ambos uma primeira lide muito boa, tendo a segunda sido menos conseguida. Quanto a António Telles penso que conseguiu bisar com duas monumentais faenas, ao melhor nível que me recordo de o ter visto. Estas duas lides apareceram na hora certa, na Praça certa e num momento em que alguns jovens cavaleiros ameaçam querer ocupar o seu lugar ! O António disse-lhes: “ Se quiserem cá chegar tem de trabalhar muito porque sou osso duro de roer!” Parabéns aos três, mas principalmente ao António Telles que desta vez saiu triunfador. Foi nos Forcados que me impressionou mais o comportamento do público do Campo Pequeno. O silêncio gélido que a praça fez sempre que o forcado estava à frente do toiro, deixava ouvir quase o bater do coração do próprio forcado. Penso que isto demonstra o interesse e preocupação que as pessoas põem na pega. Também aqui as coisas finalmente estão a entrar no campo certo, isto na minha opinião. Os forcados não devem limitar-se a pegar os toiros de qualquer forma. Além de terem que dominar correctamente a investida dos toiros em relação aos terrenos, velocidade, momento em que devem provocá-la, têm que ter preocupações de ordem estética e artista, de forma a tornarem o seu espectáculo mais agradável de ver, uma vez que este tipo de actuação tem tendência a ser considerado como rude e brutal. O Grupo de Santarém tem sido na minha opinião um dos que mais tem contribuído para esta evolução que acabei de mencionar, não sendo, graças a Deus, o único que o tem feito. Nesta noite, através de dois forcados, um mais consagrado Diogo Sepúlveda, e outro mais novo António Grave Jesus, interpretou duas magníficas pegas que fizeram transpirar para a praça toda a “escola” que este Grupo tem cultivado ao longo da sua vida. Parabéns aos dois. O Grupo de Montemor no primeiro toiro na minha opinião o José Maria Cortes não terá entendido bem o tipo de investida do toiro, tendo pecado por ter recuado pouco nas duas primeiras tentativas, facto que emendou na terceira e última. Na segunda pega, Pedro Freixo pôs de novo o Grupo no seu normal, ou seja, fez as coisas bem, tendo daí surgido uma boa pega, embora ter carregado o toiro duas vezes antes de tempo, e por isso ele não te investiu. No Grupo de Lisboa dominou a família Gomes, começando pelo Pai e fechando com o filho. Quando vi o José Luís Gomes saltar á praça para pegar o toiro, fiquei preocupado porque se eventualmente houvesse uma colhida, ele já não tem propriamente 20 anos. Mas, “ quem muito sabe não esquece”, e realmente quando se tem uma técnica apurada como ele nos mostrou, a possibilidade de êxito aumenta exponencialmente em detrimento da possibilidade de fracasso. Parabéns José Luís, porque a tua pega foi tecnicamente perfeita. O último toiro da corrida afigurava ser aquele que poderia dar a pega da noite porque tendo corrido pouco durante a lide, chegou folgado ao momento da pega. Se a isto juntarmos o facto da sua conformação de pescoço não ser das melhores para uma boa investida, levou-me a pensar que daria mais problemas do que aqueles que efectivamente veio a evidenciar. Justiça seja feita ao forcado Gonçalo Maria Gomes que fez tudo como deve ser feito, o que muito contribuiu para a boa pega que daí resultou. Como conclusão e comentário final digo que foi um espectáculo onde além da qualidade artística ter sido muito boa, juntou-se o facto de ter durado pouco mais de duas horas, o que também contribuiu para boa impressão final com que a maioria das pessoas saiu nesta noite do Campo Pequeno. 20 de Maio de 2006 Carlos Grave |