Recebi com agrado mas com um enorme sentido de responsabilidade o convite para fazer a crónica da corrida de 7 de Setembro de 2006, pois nem tenho qualquer aptidão para me fazer exprimir em palavras nem muito menos pretensão a “crítico taurino” principalmente num tema que me provoca uma tão vasta quantidade de emoções e em que cada um as sente de sua maneira. De qualquer forma aqui fica a minha mera opinião para quem tiver “pachorra” para a ler! Foi sem dúvida uma corrida muito agradável de se ver que, apesar de televisionada, estava completamente cheia com o letreiro “ESGOTADA” à porta deixando certamente muita gente cá fora, com um ambiente fantástico e dominada pela alternativa do Manuel Telles Bastos cedida pelo seu avô, esse grande Senhor do toureio a cavalo, Mestre David Ribeiro Telles, sendo-lhe justamente prestada uma enorme e emocionate homenagem por tudo o que o Mestre David ensinou e deu à festa, ainda para mais “materializada” com 3 filhos e 2 netos toureiros, que seguiram a sua linha com todos os seus ensinamentos criando esta Dinastia de toureiros de Arte, Verdade e saber estar. A alternativa do Manuel Telles Bastos foi emocionantemente testemunhada pelos seus tios João e António Ribeiro Telles e pelo seu primo direito João Ribeiro Telles Jr. Foram momentos bonitos e marcantes para qualquer aficionado e muito mais para os intervenientes.
Lidaram-se 6 toiros de David Ribeiro Telles que pesaram em média 500 kgs, peso mais que suficiente para estarem bem apresentados e poderem deixar, devido à agilidade normal de um toiro atleta, que a bravura que lhes “corre” no sangue se mostre sem o obstáculo da “obesidade”. Sairam no seu todo muito cumpridores, proporcionando lides emotivas e pegas poderosas, com um comportamento bastante positivo, à excepção o 6º da ordem que denotou um comportamento com alguma mansidão mas que, apesar dos “feios” no castigo, acabou por colaborar. Na minha opinião foi um curro homogénio com uma grande quota parte de responsabilidade pela noite bastante agradavel que se assistiu nesta 5ª feira no Campo Pequeno, aliás como é normal pois é à volta do toiro que subsiste a festa.
Quanto às intervenções dos cavaleiros, a noite arrancou logo em grande com a alternativa do Manuel Telles Bastos que se entedeu na perfeição com o toiro que lhe coube em sorte, tirando todo o partido da sua enorme nobreza e alguma bravura, apesar da pouca força, mandando sempre, colocando, provocando e cravando de frente num toureio clássico e cheio de verdade como é apanágio na família. Com uma serenidade e maturidade impressionantes passaria certamente, a um distraido aficionado, por um experiente e maduro cavaleiro. Sem dúvida que temos toureiro. Parabéns Manuel e que tenhas sorte.
João Ribeiro Telles esteve, no 2º da ordem, com uma enorme determinação, num toiro bastante colaborador, tirando todo o proveito da voluntariedade que a rés mostrava ter, bordando uma lide dinâmica e emotiva rematada com um magnífico e habitual “violino”.
No 3º, António Telles registou mais uma vez uma magnífica lide num toiro que não estava muito “claro” mas em que o António mandou colocando-o sempre nos terrenos que pretendia, citando de frente, cravando ao estribo e rematando deixando o toiro totalmente dominado, chegando fortemente ao público. Grande lição de bem tourear. João Telles Jr. recebeu o 4º na porta dos curros mostrando desde logo a característica que o diferencia, o atrevimento. Uma lide plena de determinação e raça mas sempre perfeitamente consciente dos terrenos que o toiro lhe exigía, cravando de frente e rematando, criando uma relação muito peculiar com o público que sem dúvida estava rendido a tão promissor jovem cavaleiro que, tal como o Pai, terminou a lide com um magnífico violino e um excelente ferro de palmo.
Nos dois últimos toiros assistimos a duas lides a duo, no 5º entre os irmãos João e António e no 6º entre os primos Manuel e João, muitos emocionantes e que proporcionaram aos espectadores momentos muito agradáveis com lides de grande entendimento, demonstrando um grande entrusamento e conseguindo construir lides com princípio meio e fim.
Quanto às pegas estiveram a cargo dos Grupos de Forcados Amadores de Santarém e Coruche. Começando pelo Grupo de Santarém, o nosso Cabo entregou e bem ao Diogo Palha a incunbência de abrir praça, brindando ao parente e recém profissional Manuel Telles Bastos bem como aos restantes intervenientes e igualmente familiares. O Diogo tinha pela frente, quanto a mim, toiro a menos, se é que isso pode existir, mas se me faço entender, era um toiro bravo mas escasso de força, que precisava de ser ajudado pelo forcado durante o cite e investida, de forma a conseguir tirar o máximo proveito do pouco que ele tinha, para que resultasse uma pega minimamente vistosa e emocionante. Pareceu-me que era precisamente isso que o Diogo pretendia fazer ao tentar abrilhantar o cite com um “chamar a atenção” do toiro com o barrete na mão, um pormenor cheio de toureiria, que o caracteriza, mas que eu particularmente ainda não estava convencido se seria acertado fazer, pelo menos foi a sensação que fiquei das outras vezes que o vi fazer e que até resultou bem. Isto porque há um factor que, por muito que os forcados pensem que têm a situação controlada, nunca poderão prever: a imprevisibilidade no comportamento dos toiros. Quando o toiro se arrancou, não surpreendeu muita gente pois tinha demonstrado esse comportamento durante a lide, mas para quem está em frente dele e ainda por cima com o barrete na mão, as coisas não devem ter sido nada fáceis de resolver. Ainda bem que o toiro arrancou a “xouto” e te deu algum tempo para que remediasses a situação. Em poucas palavras acho um gesto bonito mas arriscado. Atenção, isto é só a minha opinião, tenho a certeza que existem diferentíssimas opiniões sobre este “pequeno” pormenor. Respeito perfeitamente, aliás compreendo perfeitamentamente que o faças pois não é mais que a tua vontade artística de te exprimires na cara de um toiro. O que não estava também previsto foi o azar ao te aleijares, espero que recuperes rápido pois aproxima-se uma corrida com os famosos Miuras, sendo perfeitamente legítimo que ambiciones pegar um na praça da tua terra, para além de o mereceres.
Para o 3º da ordem o Pedro mandou o João Pedro Seixas Luis, Jota cá pr’a malta. Um forcado que merece todo o meu respeito e admiração por toda a entrega que tem dado ao Grupo ao longo de tantos anos. Fez uma pega brilhante a um toiro nada fácil, que pedia um forcado a pisar-lhe os terrenos e a mandar, pois caso contrário era certamente um “bico de obra”. E o Jota esteve por cima dele, com um querer e um à vontade que me impressionaram, sem precipitações e a saber precisamente o que tinha que fazer com aquele toiro. Parabéns Jota, tás um forcadão. E ainda tiveste a lata de me dizer que a primeira vez que o carregaste não era para que arrancasse mas para o espicaçar! Ao fim de tantos anos como consegues ter essa alma e essa vontade!!?
No 5º da ordem o Pedro Graciosa mandou o Gonçalo Veloso, uma escolha acertadíssima e merecida e que o Gonçalo nunca iria desperdiçar. Gostei muitíssimo da calma, arte, serenidade no cite, consciência, mandar. Aqui o Campo Pequeno esgotado estava em silêncio. Depois um carregar pleno raça e determinação, com uma reunião dura mas uma vontade de lá ficar impressionante, o público delirou e a pega consumou-se magnificamente ajudada. Nota pois muito positiva, com o Grupo a demonstrar mais uma vez todo um historial na arte de pegar toiros ao longo dos seus 91 anos. Não queria também deixar de felicitar o Grupo, não só por esta 5ª feira, mas também pela impressionante coesão a ajudar que tem demonstrado ao longo dos últimos anos.
Quanto aos Amadores de Coruche tiveram a meu ver uma noite bastante positiva apesar das duas tentativas fracassadas no 2º e 4º da ordem, que foram compensadas com o Grupo a fechar com chave de ouro numa estupenda pega do recém cabo ao manso e complicado 6º toiro.
De lamentar as lesões do Palha e do Féria, que recuperem rápido. Agradecimento a António Murteira, meu Pai, que permitiu com todo o gosto através do seu neto, Pedro Murteira Cabral, se fardassem lá em casa, ficando este responsável por vos fazer sentir em vossa casa! Uma palavra também para o António e o João Telles pela forma exemplar como sempre tratam os forcados dentro da praça. Pormenores que diferenciam os toureiros e os homens. Parabéns a todos pela agradebilíssima noite que proporcionaram a todos os aficionados e simpatizantes desta tão nossa festa de toiros.
Seguiram para um jantar no Jockey, com todos os intervenientes da corrida, o qual me foi impossivel estar presente por motivos “geográficos”! De qualquer forma imagino que tenha sido bem divertido pois para além de estarem reunidas todas as condições para tal, o estado do cabo no dia a seguir era… bom é melhor não entrar em pormenores!
Resta-me agradecer e felicitar o Pedro Graciosa pela forma inteligente como tem gerido os recursos e desejar sorte para o que resta da época!
Um abraço Manuel Murteira
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