Estamos a dois passos do centenário do Grupo de Forcados Amadores Santarém e falar de uma instituição que já resistiu a quase 100 anos à mão do homem é, seguramente, falar de algo meritório! E mais meritória quando a sua missão está assente, entre outros tantos valores, no da gratuitidade, valor em desuso e quase impensável nos dias de hoje em que valor monetário é a medida de todas as coisas com as inevitáveis consequências a que isso conduz. O Grupo de Santarém nasce de um grupo de Amadores que pelo divertimento e seguramente pela vaidade saudável que todos temos em superarmos o medo e enfrentarmo-nos a um toiro, participavam gratuitamente de um espectáculo profissional. Esta postura de liberdade e desprendimento aliada muitas vezes à generosidade de participar graciosamente em corridas de beneficência e numa colaboração estreita com as misericórdias granjeou respeito e admiração. A esse respeito acrescentou-se uma maneira diferente e senhorial de estar na festa dos toiros, que marcou definitivamente a diferença entre”agarrar touros à unha” e a arte de pegar toiros. Essa distinção foi feita pela forma elegante como se apresentavam em praça e como pegavam os toiros. Creio que é consensual que essa mudança teve como principais protagonistas D.Fernado Marcarenhas e Ricardo Rhodes Sérgio. O grupo de Santarém desde muito cedo foi constituído por gentes de toda a geografia nacional, que Santarém acolheu como seus e que durante muitas décadas foram uma referência desta cidade nos quatros cantos de Portugal e algumas vezes além fronteiras. Tempos em que as corridas de toiros, a par do fado e do futebol, compunham as principais actividades lúdicas que divertiam as populações! Mas seguramente uma das características mais marcantes do nosso Grupo é um cariz “familiar”, na sua acessão mais ampla, que já marcou várias gerações e que constitui o fio condutor de amizades, tradições e valores que por se terem tornado consolidado ao longo de quase um século de história já se fizeram perenes! Estou convicto que também a assunção sem preconceitos dessas diferenças granjearam o respeito do público. O Grupo nunca teve complexos em assumir essas diferenças - diferente de preconceitos! - traçando o seu caminho, escolhendo as suas companhias e ajustando-se quando assim foi necessário à evolução dos tempos e à transformação da realidade do espectáculo onde está inserido. Se é a isto que alguns chamam uma atitude elitista, então assumo o elitismo, quando este é compreendido na essência e na verdade do seu significado. Esta realidade nunca excluiu ninguém, muito pelo contrário, acolheu todos quantos se mostraram dispostos a partilhar destes valores e, quando necessário, pegar toiros com galhardia e abnegação, alegria e desprendimento, com a vaidade saudável e necessária a um forcado mas sem a arrogância bacoca que caracteriza os egocêntricos. Tal como os homens, as instituições são merecedoras do respeito dos outros por aquilo que fazem, pelas atitudes que tomam, pelo modo como andam na vida e não pelo que apregoam. Foram as atitudes e a maneira de estar dentro e fora das praças, que granjearam ao Grupo de Santarém o respeito e admiração do público, respeito este que vai sendo legado de geração em geração, aos forcados mais novos, herdeiros duma história cheia de valores e tradições que devem ser mantidos e respeitados, sem que isso impeça evoluir e adaptar-se as novas realidades, sempre e quando tal não desvirtue a herança recebida. Tal como tantos outros, também eu fui herdeiro desse património e sou agradecido por isso, razão pela qual quero fazer uma referência especial, por merecida, a todos os Cabos que me antecederam e que foram sem dúvida responsáveis pela passagem desse testemunho, agradecendo-lhes a entrega, os sacrifícios e o serviço que desinteressadamente prestaram ao nosso Grupo. Num Grupo onde já passaram mais de 5 centenas de homens e tendo contemporizado com mais de metade, citar nomes seria uma obra ciclópica e seguramente correria o risco de ser injusto. Assim, cito por todos um Homem que me marcou e que abarcou de uma forma rara todas as virtudes e características que mais admiro. Refiro-me ao Engº. José Manuel Vaz Monteiro Goes du Bocage, ou mais carinhosamente ao”Pai Goes” (imagino que na geração actual seria o Avô Goes!). Sem ter que fazer a apologia da sua pessoa, até porque certamente, pela sua simplicidade de carácter não gostaria, tinha qualidades humanas e físicas extraordinárias, o que fez dele um grande forcado mas muito mais importante que isso um grande Homem, com quem aprendi lições extraordinárias de alegria, de afabilidade na relação com os outros, de simplicidade, de elegância na descrição e de estoicismo, esta seguramente a característica que mais me marcou. Um homem que suportou todos os toiros que a vida lhe pôs por diante sem pestanejar e sem nunca se lhe ouvir um queixume. Admirável! Conheci bem a realidade do Grupo e de uma forma natural e consensual, como deve ser uma boa sucessão, o Carlos Grave passou-me o testemunho da chefia do Grupo. Foram anos diferentes, mais difíceis mas com experiências igualmente boas. Tive a sorte de ter uma excelente relação com os empresários, com os artistas e de uma maneira geral com todas as pessoas que gravitam à volta do espectáculo, o que me facilitou bastante a tarefa. Ainda tive a grata experiência de ser brindado com detalhes de verdadeiro Senhorio por parte de cavaleiros que me perguntaram em sorteios que toiro é que eu queria por diante e de empresários que me apresentavam o calendário e me davam as datas a escolher! E, como por último vêm sempre os primeiros, não posso deixar de mencionar de forma muito especial todos aqueles com quem convivi, e que, dentro e fora da praça, normalmente com a discrição e elegância própria dos grandes Senhores me deram aquelas ajudas que muitas vezes não se vêem, e das quais não se faz alarde, mas que são as que verdadeiramente nos permitem pegar os toiros na praça e pela vida fora! Para o Diogo Sepúlveda, nosso actual cabo e fiel intérprete dos valores do Grupo, a quem admiro com a inveja saudável de quem gostaria de ter as suas extraordinárias faculdades físicas e habilidade, e para os forcados que nos conduzirão seguramente até ao centenário, peço a Deus que os guarde e proteja e que permita que daqui a muitos anos possam afirmar com a mesma satisfação com que agora o faço: Que bom ter a sorte de pertencer ao Grupo de Santarém! Gonçalo da Cunha Ferreira |