Agradeço ao Diogo o convite que me fez para acompanhar o Grupo nesta corrida, e a todos a paciência que tiveram para me aturar, menos ao Miguel Sepúlveda, que já está habituado. Foi uma experiência extraordinária a de voltar a entrar no Campo Pequeno pela porta dos cavalos vinte e tantos anos depois, e acima de tudo a sentir o ambiente do Grupo por dentro, ainda para mais numa noite em que tudo saiu bordado, já que esta foi uma actuação emocionante e de enorme categoria. Também presente na trincheira o Gonçalo Cunha Ferreira que, segundo consta nos mentideros, se está a preparar para cometer algum acto tresloucado na corrida dos noventa e cinco anos. Abriu praça o cabo Diogo. Na primeira tentativa o toiro descaiu para o lado depois da reunião, fugindo ao grupo, e num momento em que ficou descoberto tirou a cara, deixando o forcado sem toiro. Na segunda o nosso cabo voltou a citar com classe, a mandar no toiro e a reunir com segurança. Desta vez, o Féria conseguiu chegar a tempo de dar uma grande ajuda seguido por todo o grupo. A classe do Diogo como forcado e como pessoa ficou ainda mais vincada na elevação que revelou ao dar a volta. A quem não teve ocasião de ver a pega do Gonçalo Veloso ao vivo, aconselho a procurá-la em vídeo, porque não me parece fácil adjectivar nem descrever por palavras um pegão daqueles, a lembrar as actuações do lendário Nuno Megre nos anos vinte do século passado. Foi tudo perfeito, desde o momento de saltar para a praça até ao último passo da(s) volta(s), com arte, toreria e decisão. Exemplo e caso de estudo para futuras gerações de forcados. O Gonçalo pode ter feito a sua última pega no Campo Pequeno, e a homenagem à nossa primeira praça não podia ter sido mais sentida. Emocionou-se ele, e emocionou-nos a todos. Ao famoso estraga-médias, leia-se António Grave de Jesus, cabia a pesada responsabilidade de fechar a corrida com chave de ouro. Borrifando-se na alcunha que alguma mente perversa lhe pôs, procedeu em conformidade com o que dele se esperava e esteve acertado em tudo o que fez, concretizando uma bela pega muito bem ajudado pelo Mandela e com o grupo todo a fechar com eficácia. O toiro entrou bem, e empurrou até ao fim. Se as pegas fossem pagas ao kilograma, o António ganhava mais que o Mourinho, com todas as toneladas de bisontes que por aí tem pegado. Estás num grande momento. Parabéns. A corrida de Maria Guiomar Cortes Moura, anovilhada mas com peso, cumpriu bem, tendo proporcionado aos cavaleiros Caetano e Bastinhas - pais e filhos - lides animadas e que chegaram ao público. Foi uma função amena e que se viu com agrado. Pondo nos pratos da balança de um lado uma novilhada bem apresentada e com mobilidade e do outro uma corrida daquelas do ‘’toiro grande ande ou não ande’’, gordas e paradas, acho que dá para pararmos um bocadinho a pensar em qual proporcionará um espectáculo melhor. Quando se anunciam toiros com setecentos kilos em Arronches, e com quinhentos em Madrid, julgo que não faria mal repensar no equilíbrio disto tudo. Para os forcados, os toiros tiveram investidas de qualidade e vinham pelo seu caminho sem problemas até ao momento da reunião, e só a partir daí alguns começaram a querer brigar criando algumas dificuldades. Gostava de deixar aqui uma palavra de apreço e de respeito para com o Grupo de Portalegre, que tão maltratado tem sido pela sorte de há algum tempo para cá, e que também participou nesta corrida, embora desta vez, e na minha modesta opinião, tenha andado uns furos abaixo do seu nível habitual. No fim da corrida, ainda na trincheira, o Diogo teve o desacerto de me nomear voluntário para escrever esta crónica. Como não posso garantir que esta aventura no mundo da escrita vá correr muito bem, peço à paciente, indulgente e mal contada meia dúzia de leitores que teve a paciência de ler esta espécie de escrito até aqui desculpa por qualquer cavalidade que diga ou por qualquer pontapé que dê na gramática. Única nota negativa: não gostei de ver o Grupo sair do Campo Pequeno atravessando a arena. Desde há quase cem anos que se sai pelo outro lado, e isso nunca fez mal a ninguém. Confesso que tenho alguma dificuldade em perceber em que é que estas modas folclóricas podem contribuir para melhorar o futuro da humanidade, mas enfim, isto é só um desabafo de um velho dos marretas... Animadíssimo ambiente à saída da praça, e nos bares à sua volta, cheios de aficionados, de caras bonitas, e também de outras menos bonitas mas que é sempre um prazer reencontrar, de velhas glórias do mundo dos forcados. O jantar foi num fantástico restaurante do Luís Suspiro, no próprio Campo Pequeno, e nele coube de tudo um pouco, desde momentos mais ligeiros a outros mais sentidos, por vezes mesmo comoventes, e que se iam sucedendo numa sequência ritmada e harmoniosa, como se de uma lide bem estruturada se tratasse. A luz de um novo dia começava já a espalhar-se pelas ruas de Lisboa quando se decidiu dar por encerrada a sessão, que pela sua intensidade irá ser tanto uma grata recordação para todos os que tiveram a sorte de a viver como motivo de pena para os que não estiveram por cá. Venha vinho ao cubo e abraço Manuel Goes PS- Espero que o Nelson não fique soviético comigo por lhe ter chamado Mandela. Veja aqui o filme da corrida: http://maiortv.com/tauromania/paulo-caetano/02junho |