Fardávamo-nos em casa do António Abreu, mesmo ao lado do mercado do Chile no Intendente, já ao tempo, um bairro da 2ª divisão da animação nocturna alfacinha. Era um primeiro andar de uma casa do princípio do século passado, com divisões pequenas algo sombrias, casa de jantar de um lado, corredor com dois quartos e casa de banho na outra ponta onde, depois da corrida, eram disputadas as gotas de agua quente e fria que caíam alternadamente e as duas pequenas toalhas cinzentas escuras com riscas encarnadas e amarelas que os mais novos tinham de torcer antes de usar. A casa de jantar com vários armários de vidros, alguns coloridos, tinha para o grupo o “peso” de um santuário. O velho cabo - depois dele já tinham passado outros dois - sentava-se à cabeceira da mesa, acompanhado por Pedro Bragança e outro amigo. Os seus copos eram abastecidos com uma cadência certa de um garrafão guardado a seus pés que contrastava com o jarro de água no centro da mesa, tapado com um pano branco com rendas, que, penso, resistia toda a temporada das “Fabulosas de Verão”. O espaço era pouco e o cumprimento, de quem tinha estatuto para aí entrar, era um verdadeiro ritual. - Tu és filho de quem rapaz? E tu quem és? Na maior parte dos casos respondia o Zé Manel que conhecia melhor os caminhos que a desgastada memória do antigo forcado ainda conseguia trilhar. À saída para a praça, depois de um novo cumprimento, quando passávamos no estreito corredor que transformava meia dúzia de pessoas numa multidão, ecoava um inevitável “Não se magoem rapazes”. Era essa a sua principal preocupação e não as incidências que no final da corrida, já com o protocolo mais aliviado, alguns lhe queriam contar. Essas conhecia ele de ginjeira, dos seus tempos de forcado e muito provavelmente algumas tinham sido revividas em torno daquela mesa, numa versão seguramente mais intensa que o original. Por entre as ansiedades de uma fardamenta revi este filme no passado 10 de Junho no Vale de Santarém, terra de muitas casas do nosso grupo, a “pegar” à mesa com alguns retirados ligeiramente mais novos com o tal copito sempre à mão, certamente com um pouco mais de madeira que o palhinhas que a “cepa deu” do António Abreu. "Malta despachem-se que há bicha na Ponte d Asseca!" "É melhor irmos pelas Omnias!" Que bom um cheiro a Feira do Ribatejo, sentir a cidade agitada pela chegada dos dias porque esperou todo o ano. Esperava-nos uma corrida ingrata para o grupo. Daquelas com dificuldades “surdas”, que não desculpam os erros e não valorizam os feitos. Ao conquistador do Campo Pequeno ninguém valorizou a pega a um toiro de reunião impossível ou fosse porque o Gonçalo está muito gordo ou fosse porque a córnea para além de quase inexistente era incrivelmente fechada. Também ninguém valorizou a decisão do Ricardo Tavares e do David Romão entrando a um toiro descoberto num curioso quite de cernelhas entre os dois grupos a fazer lembrar um recente duelo entre os capotes de Luque e Morante em “las Ventas”. Não terá tido o mesmo brilhantismo mas obriga a pensar na introdução de um novo tempo na arte de “encabrestar” um toiro, tempo esse, aliás, transversal a todas as sortes do toureio – esperar ou aguentar. Como diria Florito no capítulo 1 do livro que poderia escrever “Los Toros en la plaza”: Abandonar bueys e toro en la plaza sin ningun tipo de agression el tiempo necessário para que este se creia que el combate se termino e assuma una actitud boyante similar al toro en el campo. En esse momento se costumbra descolgar un poco. Finalmente o António Jesus é um valor seguro, como o BES mas antes da crise do sub-prime. Tem vários produtos não tóxicos de elevada qualidade. Produtos da pesada ou mais light como o de quinta-feira mas sempre seguros. "Rapazes, ninguém se magoou?" Ainda bem porque essa continua a ser a principal preocupação do A.A. que há em todos os retirados. Um abraço do JP Torres Fotografias da Corrida (Tauromania): http://www.tauromania.pt/noticias_detail_gallery.php?typ=reportagens&aID=5063 |