Fui incumbido de escrever a crónica da corrida de toiros, realizada a 28 de Agosto em S. Manços. Essa função teria sido relativamente simples de cumprir, se a atenção se focasse exclusivamente na arena e nas movimentações da teia. Complica-se um bocadinho, porque como não conheço a maior parte dos intervenientes que actuam fora da arena e não lhes quero dar honra de me informar acerca do nome dos que me falham e muito menos referi-los, vou tentar descrever o que vi e quem lhes quiser fazer as honras que lhas faça. Eu nunca comprei um jornal ou revista que tratasse da festa brava, nunca discuto, pergunto ou desenvolvo conversas que falem de subalternos e satélites da mesma, não sei sequer o nome de tais criaturas excepto alguns (mas poucos) que já o eram ou que pegaram no meu tempo. Por esta razão, não conheço os meandros da Festa graças a Deus. Não significa que não haja gente honrada e válida ou que não sejam importantes para a realização das corridas, mas chega, fica por aí, não têm de ser assunto de discussão. É como se em casa uma família discutisse as tricas e as opiniões dos seus funcionários. Não me lembro de ninguém dizer que ia a tal “corrida a cavalo” ver tal artista referido em tal artigo. Os artigos normalmente cheiram a encomenda e parcialidade. Os compadrios saltam à vista em cada frase que se lê. Perderei alguns assuntos verdadeiramente interessantes… é o preço de quem se quer manter ignorante da cultura taurina de cordel. Acontece porém, que conheço a festa. A parte que interessa, onde actuam os artistas. Os toiros-bravos, elemento principal já que sem estes não haveria esta nossa realidade. O contrário não é verdade e a comprová-lo há inúmeros formatos de eventos onde o toiro é parte integrante e fundamental. Não nos podemos nunca esquecer, que em cada toiro, está escondido um homem, uma família, várias vidas, sacrifícios, investimentos de retorno duvidoso, tentativas falhadas a que ninguém acode, e no fim disto tudo, os gananciosos vão comprar animais aos nossos vizinhos, que não servem condignamente a nossa festa, para ganhar assim mais moedas qual pedinte bajulador, condicionando a continuidade desse artista muitas vezes figura que se faz representar pelos seus animais que é o Criador português de toiro-bravo. Os cavaleiros, que investem à séria quer financeiramente, quer em tempo, em trabalho… para no dia da corrida se apresentarem de forma distinta e a cumprir o que ali lhes é exigido. Muitas vezes não o conseguem fazer por vários motivos, muitos ficam por lá mesmo muitos anos sem nunca o conseguir, mas para que naquele dia seja possível mostrar-se apresentável durante uma ou duas lides, fica por mostrar todo o esforço que até ali foi feito. Com estes os peões de brega, fundamentais à festa desde a entrada à saída de cada toiro. A banda da música que traz ritmo e alegria às corridas, preenchendo tantas vezes as lacunas do que se passa dentro da praça. Os forcados, que ali põem a vida e a saúde em cheque para o resto dos seus dias… ali, em alguns segundos, gratuitamente, expõem-se à apreciação de um público que tantas vezes de entre este não conhece ninguém, mas pior do que isso, ninguém o reconhece. No fundo resume-se tudo a isto, ao reconhecimento. Alguns terão o seu reconhecimento pelo que auferem, mas aqueles a quem o reconhecimento não tem tradução em divisa ficam muitas vezes por ressarcir. Os demais, estão lá para servir, são empregados, meros funcionários que dali recebem seu salário. Não saem em cartaz, não levam ninguém à praça. Estão lá para cumprir regras e obedecer a ordens. Se cumprirem bem o seu papel, passam discretamente e são considerados, mas por esta ordem, porque se forem previamente considerados, acham-se e deixam de ser discretos, deixando de cumprir bem o seu papel. Faz-me lembrar as revistas cor-de-rosa em que os protagonistas são os cabeleireiros, alfaiates, massagistas, pedicuras, porteiros, guarda-costas… apreciados por jornalistas do mesmo nível, que não tem cultura suficiente para fazer uma apreciação ajustada e justa dos assuntos que tratam. A corrida de S. Manços trouxe à tona tudo o que de mau se deve viver na Festa em Portugal. Especulo eu! Vimos um director de corrida desprovido de qualquer bom senso, ordenar a identificação dos elementos do GFAS a elementos da autoridade mesmo depois de ambos os grupos terem chegado a acordo. Para quem lá não esteve, passou-se o seguinte: lesionou-se o terceiro toiro da ordem sorteada, saiu em seguida o quarto da ordem, levantou-se a questão (que não tem razão de ser) de quem pegaria o terceiro toiro lidado. A humildade é uma qualidade do Homem sendo uma das muitas que gostamos de ver associadas à definição de Forcado. Ponham na cabeça (todos, mas os forcados em especial), que os toiros não são sorteados para os grupos, caso contrário sorteavam-se os toiros entre estes e ambos estabeleceriam a ordem de saída e definiriam que toiro calhava em sorte a cada toureiro. Embora seja a humildade uma qualidade, o provocar a humilhação não o é. Por favor, não ponham este tipo de decisões nas mãos de subalternos porque para além de isso ser em si já uma humilhação, a humilhação pública de qualquer outro grupo representa uma humilhação para o Forcado sentido lato; Vimos um veterinário de serviço coadjuvar o anterior, porque se deve ter sentido na obrigação de sair em defesa do seu notoriamente amigo. Eu acho da mais elementar justiça que se pague salário a quem trabalha, e esse pagamento (em ultima instância pago pelo publico) reflicta o trabalho realizado por quem o aufere. Mas esse pagamento confere em primeiro lugar o poder de exigir que o serviço a prestar pelo empregado seja aquele para o qual foi contratado, em segundo lugar que seja prestado com competência e por fim com respeito a quem lhe proporciona ali estar; Vimos artistas (actuantes e não actuantes) compactuarem com toda a palhaçada que ali se passava, perdendo a oportunidade de se manifestarem frontalmente em defesa do seu ganha-pão que por este andar tem os dias contados; Não querendo ser profeta da desgraça questiono-me: Será que os movimentos anti-toiradas foram tão rápidos a infiltrarem-se na Festa sendo já tão manifesta a sua destruição a partir de dentro? Não é original na nossa sociedade, mas é de facto subtil e eficiente! Se alguns dos visados se sentir ofendido com as minhas palavras e me quiser ofender de volta um dia que me veja, agradeço que se apresentem primeiro e dizendo qual o seu papel na Festa se faz favor, porque muito provavelmente não o conhecerei. Os toiros que saíram em S. Manços… eram mansos. Para um dos toiros este “eram” foi rápido demais. Embora do lugar onde estava não fosse visível, parece que a rês começou o eterno descanso assistindo ao resto da corrida a partir da porta dos cavalos tal não era o desproporcionado peso e maneio pré-corrida. À excepção do último que saiu (sobrero), como os demais não me interessam ver nas nossas praças. Alguém anda certamente a ganhar muito com a carne porque outro motivo não deve haver. Os cavaleiros não os querem toirear, os forcados não brilham mais por causa do peso, bem pelo contrário, brilham menos porque se magoam frequentemente (nesta corrida estavam incapacitados para pegar 8 forcados de cara do GFAS) e o publico reconhece um bom toiro seja este grande ou pequeno, mas se só nos apresentam animais grandes, estranhamos quando nos aparece um normal… mas isso educa-se, caso contrário não tarda o dia em que o 800 kg passe a fazer parte do nosso vocabulário. Excepcionalmente aceita-se uma corrida grande, mas por regra? Só tem mais emoção à saída dos curros. Todos sabemos que os cavalos são mais ágeis que os toiros e que todos os grupos já mostraram consegui-los pegar, e muitos que também deixam por pegar toiros mais pequenos. Nesta corrida ficou bem patente. Para a cara três forcados com muito poucos toiros pegados, Luís Bobone Sepúlveda, Manuel Roque Lopes e João Goes, um primeira-ajuda Nelson Ramalho e um grupo coeso, em que a primeira tentativa seria a única a que podia ter dado um desfecho diferente. No cite, seis pegas perfeitas, seis boas reuniões. O fechar na cara dos toiros, é na minha opinião, uma das componentes da pega mais difícil de pôr em prática. É uma transição muito rápida de um momento que obriga a clarividência (a reunião) para um outro onde não se vê absolutamente nada. Por isso há que senti-lo e não é com seis toiros pegados que se pode atribuir culpa a quem quer que seja por não conseguir fazê-lo a um toiro como o que se apresentou a abrir uma corrida com tanta expectativa. Na segunda pega, à primeira tentativa, ganhou o toiro, faz parte, e ganharia à maior parte dos que lá estivessem, mesmo que não fossem pouco pegados como era o caso. Mas como é depois da primeira estalada que se vê como é um homem… vimos homem! A fechar a corrida, literalmente já que houve a troca de ordem, usou-se a chave de oiro. À excepção do primeiro brinde, ao público, não mais brindamos nem demos voltas de agradecimento. Sem arrogâncias, não demos porque não. Valha-nos sermos amadores, as costas direitas embora doridas e todos os nossos muitos amigos que ajudam a encher as praças e que felizmente nos reconhecem. José Maria Lebre |